03 November 2008

Pequenos como sempre


Quando, há umas semanas atrás, comecei a ler notícias que apontavam para o encurtamento da noite no Bairro Alto para as 2h face às habituais 4h, pensei esperançoso que se tratasse duma má interpretação dos jornalistas, ou duma precipitação qualquer dum cromo da Câmara Municipal de Lisboa. Completamente estupefacto e incrédulo hoje li isto.
Que há insegurança no Bairro Alto, todos nós que o frequentamos sabemos. A zona boéma do Bairro terá uma dúzia de cruzamentos – se tantos – e relativamente pouco distanciados uns dos outros. Quando a solução mais óbvia, e claramente mais inteligente para este problema, seria reforçar policialmente a zona – ainda que com o apoio financeiro dos comerciantes locais – decidem estes génios da Gestão Autárquica amputar algo que é único no Mundo, gozado e elogiado por qualquer turista, uma das atracções mais marcantes de Lisboa – até porque em termos nocturnos é a única que de original temos para oferecer. A ajudar a isto estarão certamente, e convenientemente camufladas pela insegurança, as queixas de alguns dos moradores que vivem nos edifícios degradados da zona, e a quem a CML se poderia bem preocupar em alocar, por exemplo, num dos famosos apartamentos que anda a distribuir pelos seus quadros, em vez de prejudicar toda uma cidade em prol do conforto muito questionável de umas dezenas de habitantes.
Esta ideia infeliz fez-me lembrar quando, há uns anos atrás, a mesma CML – ainda que com outros actores - proibiu que o Arraial do Instituto Superior Técnico – provavelmente a Festa Académica com maior peso e tradição da capital – se realizasse na Alameda no interior do IST como sempre, e arrumou-a num qualquer canto da cidade que nem nunca me dei ao trabalho de procurar. Era como tirar o desfile das marchas populares da Avenida da Liberdade para o Estádio Universitário, ou a Feira do Livro para o Parque das Nações. É absurdo. Os acontecimentos periódicos ficam associados sempre ao espaço onde se realizam, e que quase invariavelmente lhes conferem um misticismo único. Na altura, a justificação para a migração do Arraial foram as constantes reclamações dos habitantes da zona porque, pobres coitados, durante três fins de semana por ano tinham por companhia música em alto volume até às primeiras horas da madrugada. Que direi eu e todos os estudantes – passados, presentes e futuros - do País, que em plena época de exames sempre tivémos de suportar os acordes estridentes e desafinados das várias festas paroquiais? Tem graça que contra isto nunca ouvi ninguém protestar, nem tão pouco qualquer movimento estudantil insurgir-se. Curioso este Estado laico em que vivemos.
Voltando ao Bairro Alto, temos de ter a noção que todo o quotidiano do país se traduz em retadar os horários nocturnos. Em Lisboa o expediente acaba tarde, portanto os jantares começam e acabam tarde, e consequentemente o lazer que lhes segue também. Com o tempo que se perde na deslocação e estacionamento (já que os transportes públicos nocturnos continuam a ser uma miragem), deixa de valer a pena o esforço de ir até lá. Com este horário o Bairro Alto morre. E lá vamos nós, impávidos e derrotados como é costume, continuar a elogiar a movida madrilena, o Red District de Amesterdão, ou a alegria dos pubs britânicos. A Lisboa resta pouco mais que o ambiente insonso dos bares do Parque das Nações, a decadência acentuada de Santos e as subdimensionadas Docas. Irónico tudo isto numa altura em que se fala de motivação ao investimento como nunca.
PS - Parece que o Arraial já foi devolvido ao Técnico. Há esperança...)

2 comments:

Anonymous said...

Não é por isso que te safas dos meus copos!!
Abraço
APL

Anonymous said...

assino por baixo.
o bairro é único.um santuário. devia ser acarinhado e preservado tal como estava até outubro.
por favor, não me façam começar frases com "eu ainda sou do tempo em que se podia estar no bairro alto até às 4"