Na profissão que escolhi, e que para o caso pouco importa, tenho a cada momento sob minha liderança e responsabilidade toda uma equipa de homens naturalmente diferentes entre si, mas todos mais velhos que eu, empenhados, responsáveis, de instrução muitas vezes limitada, e oriundos das mais diversas partes do País e do Mundo.
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Em finais de 2005 conheci o JR. Eu, com escassos e ignorantes 5 ou 6 meses de profissão; e ele, que talvez não tivesse ainda 40 anos de vida, mas concerteza mais de 20 de trabalho. Eu, muito naturalmente burro, mas ávido de ver e aprender; e ele de sorriso no rosto com paciência infinita para me mostrar e ensinar. Ambos no mesmo local de trabalho, perto de Lisboa. Eu, alfacinha, em casa; ele, minhoto, longe da dele. Lá fomos involuntariamente criando a proximidade que 12 horas diárias de trabalho conjunto muito facilitam.
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Certa hora, de um anoitecer frio de Primavera, o JR aproximou-se sem o sorriso puro que lhe conhecia. Dez anos em trabalhos consecutivos na zona de Lisboa, significavam também dez anos longe da casa, filhos e mulher que lá no Alto Minho permaneciam. Dez anos tão insuficientemente interrompidos por algumas horas de visitas semanais. Naquele fim de tarde o JR libertou quase tudo o que podia, limitando-se a custo a conter as lágrimas que a situação crónica de um casamento em que a mulher já nem lhe falava, lhe provocavam.
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Mexendo onde podia com a minha inexperiência e palavra de pouco peso, lá consegui que o JR fosse de férias para salvar o casamento, tendo sido seguidamente colocado a trabalhar no Porto. "Sim, as coisas agora estão melhores. Sempre dá para ir a casa também a meio da semana. É diferente!" Foi o que lhe ouvi então dizer. Ouvi, feliz por ele, e com certa e confessa dose de orgulho.
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Encontrei o JR no Almoço de Natal de 2006 da empresa. Mais de meio ano depois. Abracei-o e perguntei-lhe se estava bem. "Estou. Agora estou!" E sorriu. De novo o sorriso puro de tão puro minhoto. Não o voltei a ver nessa festa. Nem nunca mais.
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Na manhã de ontem o JR morreu na estrada. A ir de casa para o Porto para trabalhar. Irado pelo atraso que uma qualquer contrariedade lhe provocou. Irritado porque, por uma vez em anos, não tinha conseguido estar às 8h00 onde devia.
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O meu dia de trabalho hoje acabou mais cedo. O meu sorriso também.
2 comments:
ao saber escutar ajudas-te uma relação ...o destino ou que lhe queiramos chamar leva sempre alguém de quem nos gostamos e respeitamos quase sempre cedo demais ...estranho porque achamos sempre que é cedo para algo que nos sabemos que um dia vai acontecer é obvio que desta forma cruel ainda nós faz mais pensar que nada somos ...fico triste também por ti. recordo a tua cara de felicidade quando me contas -te a história ...tão tragicamente terminada .
AO
fizeste o melhor que podias para ele e isso fica expresso pelas palavras que ele usou na festa 06,sente orgulho nisso pq o mereces.
quanto as nossas vidas que ainda pisamos esta terra...se me perguntarem a razao de andar sempre a rir feito maluco a razao e simples....ter uma pequena carrada de amigos excelentes sendo um deles tu, parecendo que não AJUDA!
abraço(temos que ir reviver os tempos fantasticos das longas conversas, pois parecendo que nao.....faz falta)
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